Walquiria Fonseca Duarte *
Universidade de Santo Amaro - UNISA e
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Rodolfo Argueles *
Universidade de Santo Amaro - UNISA
Resumo
O objetivo deste trabalho é o de proceder a uma reflexão do ensino do 3º grau atual no nosso país, onde as universidades brasileiras poderiam estar com sua atenção mais focalizada no desenvolvimento global dos seus acadêmicos a fim de prepará-los, inclusive, para o difícil enfrentamento da vida profissional. Para isso, é de fundamental importância que a aprendizagem esteja alicerçada na motivação dos seus aprendizes, para este desenvolvimento possa ser significativo e efetivo. O encontro de uma relação pedagógica que conduza os educadores e os acadêmicos para um contexto de aprendizagem inovador e criativo é um dos grandes desafios da universidade neste final de milênio.
Ao escrevermos este artigo, temos por objetivo proceder a uma análise crítica do processo educacional de 3º grau a partir dos fins a que se propõe e das exigências do mundo moderno. Em seguida, o de propor uma relação pedagógica fundamentada em conhecimentos sólidos da Psicologia que julgamos melhor adequados às constantes mudanças do mundo atual.
A Universidade atual brasileira tem como fim capacitar o aluno desenvolvendo conhecimentos, habilidades e atitudes que possibilitem a sua inserção no mercado de trabalho nas diversas áreas de atuação, como também prepará-lo para o exercício pleno da cidadania .
Evidentemente, qualquer universidade com seriedade de propósitos busca atingir estes fins, propiciando uma formação global em seus acadêmicos. No entanto, não estamos podendo constatar mudanças efetivas tanto na estruturação das universidades como na relação professor-aluno em sala de aula.
Nos últimos tempos, observamos uma ênfase maior na aquisição de conhecimentos e habilidades voltados para a prática profissional (técnica), onde a especialização do aluno é a meta em detrimento dos conhecimentos gerais que visavam a erudição. Além disso, podemos citar o aparecimento de algumas práticas demagógicas, sem quaisquer fundamentações teóricas, que produziram uma grande massa de ignorantes rebeldes ou passivos, infantilizados pelo próprio processo e inaptos para o exercício da cidadania, haja visto a grande parte das lideranças políticas, empresariais e estudantis surgidos nos últimos 20 anos de nossa recente história.
Diante do exposto, é inegável que não formamos coletivamente pessoas com grandes competências técnicas, aptas a serem inseridas neste mercado de trabalho globalizado e muito menos, pessoas preparadas para viverem plenamente o estado de direito e exercitarem sua cidadania.
O problema parece estar nos meios e será neles que iremos nos centrar.
As raízes dos nossos problemas atuais encontram-se na Universidade imperial organizada em França por Napoleão Bonaparte, entre 1806 e 1808, onde a hierarquia teve um forte teor militar que vai do grão-mestre aos reitores de academia, passando pelos conselhos de universidades e inspetores gerais, todos nomeados pelo imperador. Este processo, não teve modificações profundas, pois a universidade pública brasileira nos dias atuais, não tem o imperador mas continua tendo a nomeação das reitorias pelos Governadores de Estado 1.
O funcionamento burocrático da escola napoleônica foi fundada em três níveis;
a) o de pessoal e de sua organização;
b) o dos programas de trabalho; e
c) o das inspeções e dos exames 1.
Não houve essencialmente neste último século, grandes mudanças na organização das universidades e, conseqüentemente, na sua vida interior, apesar das profundas alterações nas relações de trabalho, na organização da família, enfim, na vida social e comunitária como um todo.
Considerando o processo de recrutamento e seleção de pessoal existente no mercado de trabalho atual, observamos que existe uma certa desconfiança nas competências profissionais atestadas pelos diplomas acadêmicos, pois além desses, é de praxe a exigência de três à cinco anos de experiência profissional comprovada na área específica de contratação. Desta forma, o mercado de trabalho prioriza a experiência profissional, optando por adaptá-la à cultura da empresa e complementado-a quando necessário com conhecimentos relativos à função a ser exercida.
O descrédito do mercado de trabalho no saber adquirido em boa parte do ensino de 3º grau, fundamenta-se na experiência de formação de mão-de-obra nos diversos níveis profissionais. Tal descrédito parece ser sábio, pois sabe-se que o aprendizado é efetivo quando o acadêmico é inserido nas condições concretas das atividades profissionais a serem exercidas, pois nestas circunstâncias, as situações problemas são constantes, fazendo com que o nível de motivação do aprendiz permaneça elevado e a busca de soluções forneça sentidos para as ações.
Como podemos observar, a condição concreta referida acima, não se encontra presente no processo de formação acadêmica, pois os currículos e os programas de ensino são elaborados a partir de uma lógica formal que em muito se distancia da existência do acadêmico, fato este sustentado por pesquisas da Psicologia sobre o processo de aprendizagem, tais como:
a - “A aprendizagem depende do nível de motivação” (Lei do efeito - Thorndike, 1930); e
b - “A motivação se finca numa necessidade que busca o fechamento ou o encerramento” (Köhler, 1935) 2.
A educação de forma geral, desconsidera estes princípios que são fundamentais no processo existencial do acadêmico. Como podemos observar, a vida concreta é regulada por tais princípios e talvez aí esteja a desconfiança do mercado de trabalho em relação ao processo de aprendizagem tradicional que de uma certa forma, preocupa-se com o aspecto motivacional da aprendizagem e tenta considerar a lei do efeito, mas através de um sistema de avaliação baseado em punição (nota baixa) e recompensa (nota alta). Este sistema é uma maneira de motivar o acadêmico a aprender os conteúdos previamente selecionados pelos docentes. Acontece que o atual sistema de avaliação, funciona apenas como um estímulo para o aluno alcançar os conceitos necessários à sua aprovação, mas não o motiva para o aprendizado e, além de não criar o prazer pelos simples aprender, cria resistência afetivas na busca do conhecimento. Quem quiser confirmar este fenômeno, basta conversar com qualquer acadêmico e perguntar se o mesmo revisa os textos adotados no ano letivo após os exames e a sua conseqüente aprovação. As descobertas dos gestaltistas demonstraram o que realmente acontece nesse sistema de avaliação, pois o fechamento ou encerramento é atingido quando o acadêmico alcança a nota necessária para a sua aprovação, pois após este fato, o nível de motivação diminui drasticamente. Este processo ocorre em grau diferente, por exemplo, quando estamos com sede (necessidade); evidentemente, nossa motivação e o sentido da nossa ação é dirigido pela busca do suprimento água. Ao saciar-mos a nossa necessidade, o nível de motivação decresce e a ação se redireciona3.
Poderíamos ser perguntados sobre qual o motivo de nos centrarmos apenas no sistema de avaliação. Responderíamos que todo processo restante (metodologias de ensino, bibliografias e objetivos educacionais) apoiam-se nesse sistema de avaliação. A fim de ilustrar o que estamos apresentando, o Ministério da Educação decretou a partir de 1997 avaliar as universidades aplicando um Exame Nacional de Cursos (“Provão”) ao final dos cursos de graduação e pelos resultados até aqui obtidos, confirma-se o que temos exposto, pois embora muitos dos formandos tenham sidos aprovados muitas vezes com notas altas em suas respectivas universidades, o aprendizado efetivo em muito deixou a desejar, como o refletido pelos resultados obtidos neste exame.
Após esta análise critica da situação, sentimo-nos obrigados a propor uma metodologia de ensino-aprendizagem que não desconsidere as descobertas da Psicologia abaixo e numeradas:
a) O aprendizado somente é efetivo quando significativo para o acadêmico;
b) A motivação é pré-requisito para o aprendizado efetivo; e
c) O aprendizado fincado num sistema artificial de punição e recompensa, torna-se ineficaz e maléfico à formação acadêmica 3 e 4.
Propomos então um modelo de trabalho que julgamos mais adequado para o enfrentamento das mudanças na vida social em todos os seus âmbitos neste terceiro milênio. A nossa proposta é criarmos condições para a implantação da auto-gestão pedagógica1 na relação professor-aluno e para isto, devemos seguir alguns princípios básicos tais como:
1 - O professor-burocrata deve despir-se de suas prerrogativas autoritárias, compreendendo-se na função de um líder que facilita o aprendizado estando à disposição dos acadêmicos, adotando efetivamente o que Carl Rogers denominou de Educação Centrada na Pessoa3;
2 - A ênfase deve estar no processo de aprendizagem deixando conteúdo e avaliação para o segundo plano;
3 - O Educador intervirá nos níveis de análise, organização grupal e conteúdo programático;
4 - O professor deverá apoiar o aluno a libertar-se da angústia frente à autoridade, de comportamentos de dependência e da “inércia existencial” muitas vezes desenvolvida ao longo da vida;1
5 - O Educador deverá garantir a todos os membros do grupo a possibilidade da palavra, a possibilidade da elaboração mental singular, a interação dos membros do grupo para evitar comportamentos cristalizados, facilitando assim condutas criativas tanto no nível cognitivo como no afetivo; propiciar ações em grupo e apoiar os menores esforços para organização do mesmo.
Enfim, o mundo moderno passa por profundas transformações e estas, consequentemente, exigem um novo homem que deverá estar apto a:5
1) Trabalhar com um volume brutal de informações, propiciado pelo avanço tecnológico e construir conhecimentos sólidos para poder intervir na vida social;
2) Ter maior autonomia e flexibilidade para uma melhor adaptação à rapidez das mudanças;
3) Aprender e buscar as soluções para cada problema específico no seu nível de atuação;
4) Auto-organizar-se, auto-planejar-se e auto-avaliar-se, pois a prestação de serviços parece ser a tônica do próximo século;
5) Desenvolver trabalhos em equipes multidisciplinares tendo como finalidade resultados com alto padrão de qualidade; e
6) Relacionar-se de forma ética, assimilando para isso valores fundamentais, tais como, honestidade de propósitos, consciência social, espírito democrático e cidadania, entre outros.
Diante do exposto, acreditamos que esta proposta certamente não se encontra acabada mas certamente, poderá ser o início de uma profunda reflexão acerca do nosso papel como educadores ativos nesse tumultuado processo de mudança que estamos atravessando ao término deste segundo milênio.
Referências
1- LOBROT, M. . A Pedagogia Institucional . Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1966.
2- KOFFKA, K. . Princípios de Psicologia da Gestalt . Edit. Universidade São
Paulo/Cultrix, São Paulo ,1975.
3- ROGERS, C. . Liberdade de Aprender . Interlivros, Minas Gerais, 1973.
4- GLEITMAN, H. . Psicologia . Fundação Caloust Gulbenkian, Lisboa, 1993.
5- LOBROT, M. . Os efeitos da Educação . Edições 70, Lisboa, 1974.
Bibliografia Consultada
· LEWIN, K. . Teoria Dinâmica da Personalidade . Cultrix, São Paulo, 1975.
· Lewin, K. . Teoria de Campo em Ciências Social. Edit. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1965.
· SAKAI, J. D .M. C. O perfil do Professor Eficiente sob a ótica de um grupo de Docentes e Alunos Universitários. Dissertação (Mestrado). Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2000.
Walquiria Fonseca Duarte
Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, docente da Universidade de Santo Amaro e do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Psicóloga Clínica. Diretora da Faculdade de Psicologia da Universidade de Santo Amaro, Brasil.
Rodolfo Argueles
Especialista em Didática do Ensino Superior, Psicólogo Clínico e docente da Universidade de Santo Amaro, Brasil. Vice-Diretor da Faculdade de Psicologia da Universidade de Santo Amaro, Brasil.
http://www.psicologia.org.br/internacional/pscl75.htm